Então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes
e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca
para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem
urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim
calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas
com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será
cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me
queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e
me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim, eu digerindo
faminto o que teu corpo rejeita, bebendo teu mágico veneno porco que me
ilumina e me anoitece a cada dia, e passo a passo afundo nesse charco
que não sei se é o grande conhecimento de nós ou o imenso engano de ti e
de mim, nos afastamos depois cautelosos ao entardecer, e na solidão de
cada um sei que tecemos lentos nossa próxima mentira, tão bem urdida que
na manhã seguinte será como verdade pura e sorriremos amenos.
Caio Fernando Abreu
Nenhum comentário:
Postar um comentário