Ou
simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para,
dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou
"nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a
continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o
suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não.
Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não
resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o
nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo,
porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro
que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também,
e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para
disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à
tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na
garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que
chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse
osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre
tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o
dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos
discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás
devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre
esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Caio Fernando Abreu
Nenhum comentário:
Postar um comentário